Todo dia é dia de rock, bebê!

Resistência, manifestação política e revolução

No dia 13 de julho de 1985, ocorreu um grande evento contra a fome na Etiópia, o Live Aid. Realizado simultaneamente no Wembley Stadium, em Londres e no John F. Kennedy Stadium, na Filadélfia, o concerto foi recorde de transmissão – quase dois bilhões de espectadores em cerca de 100 países sintonizaram suas televisões. Diversas bandas passaram pelos palcos e uma delas fez uma apresentação memorável: Queen. Abrindo com o hino Bohemian Rhapsody, a banda fez um show que ficou para a história. A magnitude do evento fez com que Phil Collins declarasse que o dia deveria ser considerado o dia mundial do rock.

Freddie Mercury

Apesar de todo o sucesso do evento e o propósito a que se destinava, ele foi criticado por algumas bandas, como Chumbawamba e Faith No More, que inclusive cita o Live Aid na letra de We care a lot. Depois, soube-se que parte das doações foi usada por governos corruptos. Sobre o assunto, Bono Vox, vocalista do U2, disse que é sempre melhor continuar investindo em prol de quem precisa do que simplesmente abandonar estas pessoas em razão de pessoas corruptas.

Você provavelmente chegou até aqui e perguntou: “tá, Roberta, mas o que isso tem a ver com a sua coluna, que traz pautas relacionadas às lutas antirracista, LGBTQIA+ e feminista? Tudo. Por vezes, sabemos sobre fatos como o Live Aid e a data 13 de julho, mas não nos damos conta de que o rock é mais do que um gênero musical: ele é revolução desde seu surgimento. Quando perguntam quem é o rei do Rock, muitos dizem, sem titubear: Elvis Presley (algo que eu, pessoalmente, questiono). Agora, quem foi responsável pelo surgimento do rock?

Sister Rosetta Tharpe. Isso mesmo, uma mulher. Uma mulher negra, que nasceu em 20/03/1915 e criou o gênero musical, a partir da junção do blues com o gospel, em uma época em que pouquíssimas mulheres tocavam guitarra. Em 1938, se tornou a primeira artista gospel a assinar com uma grande gravadora e, pouco tempo depois, em 1944, grava a canção considerada a primeira do gênero rock, Strange things happening every day. Ela foi inspiração para inúmeros artistas que vieram depois, como B.B. King, Little Richard, Johnny Cash e o próprio Elvis. Rosetta é mais uma – dentre várias – mulheres que foram apagadas da história.

O rock se posiciona com relação ao que acontece na sociedade. Diversas letras foram – e ainda são – feitas para dar um recado à sociedade. Vamos aos exemplos? Hurricane, de Bob Dylan, foi inspirada na prisão de Rubin Carter, fruto do racismo da sociedade norte-americana. Outra do músico, Blowin’ in the Wind, se posicionava contra a segregação, em uma época em que Martin Luther King, Malcolm X e tantos outros importantes líderes lutavam pelos direitos civis. Born in the USA, de Springsteen, critica a terrível Guerra do Vietnã. Neste caso, como o título da canção dizia “nascido nos Estados Unidos”, muitas pessoas, incluindo o ex-presidente Ronald Reagan foram “enganados”. Reagan inclusive citou a letra em um de seus discursos –letra esta que se posicionava contra o governo.

Rubin Carter e Bob Dylan

Diversas pessoas que não compreendem que o rock é uma forma de manifestação política. O que dizer de quem critica o “tom político” de shows da banda Rage Against the Machine e de Roger Waters? Pois uma das pessoas indignadas com isso foi a modelo Ellen Jabour, que disse:

“Não gosto de shows que falam sobre política. Transformam um momento que era pra ser de unificação, em segregação. O clima fica péssimo pois as pessoas pensam diferente umas das outras e começam a se estranhar, e até mesmo a se agredir! Vivi isso no show do Roger Waters e foi uó”

Ellen Jabour

É, no mínimo curioso que uma pessoa vá a um show do Rage, banda que explicitamente até no nome já se posiciona (“ódio contra o sistema”) e emita um comentário como esse. Só se for uma pessoa desavisada, que nunca parou para ler as letras da banda e pensava que, pelo nome, seria uma banda avessa a tecnologia… O que será então que pessoas como ela pensam quando escutam Another brick in the wall, do Pink Floyd?

Não só as letras e os nomes das bandas passam a mensagem. As capas dos álbuns, o show como um todo, as vestimentas. No palco, os roqueiros se manifestam contra diversos fatos que ocorrem na sociedade. Um exemplo foi o Unplugged MTV do Pearl Jam, em que Eddie Vedder escreve em seu braço pro choice, uma referência ao debate sobre a legalização do aborto (pro choice, no sentido de ser uma escolha da mulher, em contraposição àqueles que são pro life).

Eddie Vedder

No Brasil, não posso deixar de citar o Black Pantera. Ora, pelo nome já percebemos a nítida influência do Partido dos Panteras Negras, que foi fundado em 1966 e tinha como objetivo a defesa de pessoas contra a opressão. O power trio, formado por Chaene Gama, Charles Gama e Rodrigo Pancho traz em suas letras a luta antirracista. Uma de suas músicas, Fogo nos racistas – que traz o nome do maior advogado do Brasil, Luiz Gama, que libertou mais de quinhentos escravizados com suas brilhantes defesas – foi criticada por algumas pessoas na internet, segundo Chaene:

Quando soltamos o clipe de ‘Fogo Nos Racistas’, que tem no refrão literalmente essa frase de empoderamento que ganhou força nas redes e outros artistas também usam… (…) teve gente que marcou a Polícia Feredal, dizendo: ‘estão querendo botar fogo nos outros!’. Marcaram ministérios também. Cara, eu não estou querendo por fogo em ninguém! Quem está morrendo diariamente são os jovens pretos, a cada 23 minutos por violência. A gente tá só usando a música como arma de defesa. O rolê aqui não é por vingança, é por igualdade.

Chaene Gama, da banda Black Pantera

Nesta fala de Chaene, podemos perceber como algumas pessoas tentam distorcer as coisas e inverter o jogo. É curioso, pois estas mesmas pessoas, quando veem pessoas racistas dizem: “agora tudo é mimimi”, “ah, era só uma brincadeira”. No entanto, quando há uma reação contra uma ação extremamente violenta, fruto de quase quatro séculos de um sistema escravista, ficam chocadas. Malcolm X já dizia: não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor.

Black Pantera

O dia do rock não é, portanto, apenas no 13 de julho. Isso porque o rock é mais do que um gênero musical, ele é uma forma de revolução, uma forma de manifestação política. O rock está na vanguarda da revolução. O rock é resistência e todo dia se reinventa. Todo dia é dia de rock, bebê!

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