Ignóbeis laureados

Para ter-se um bom aproveitamento nos estudos de metodologia científica, o mero contato com manuais técnicos parece insuficiente, donde a necessidade de passar em revista algumas obras clássicas e contemporâneas – legítimos exemplares da engenhosidade humana –, de modo a que se possa absorver uma variedade de procedimentos intelectivos, na abordagem de diferentes objetos de pesquisa.

O recurso soa mais do que razoável, mas encobre um impasse. Não pairam dúvidas sobre o imperativo de analisar o produto final mais bem-acabado de que possamos dispor, porém a absoluta fixação no que há de melhor é insuficiente, pois descuida dos obstáculos e fiascos que caracterizam a trajetória de todo e qualquer pesquisador experiente, rendendo, por fim, a falsa impressão de infalibilidade da pesquisa erudita.

Na vida cotidiana, ouve-se, com relativa frequência, que tudo tem seu momento, e que, para tudo, há maneiras de fazer e de não fazer. Trata-se de apreciação de insuspeita razoabilidade, o que apenas levanta a questão sobre o porquê de não ter sido incorporada pelos cursos de metodologia científica. Por que são tão raras as lições acerca dos modos de não pesquisar? Por que não analisamos autores que fracassaram em sua investigação científica? O crítico, afinal, não é aquele que, por simples resolução opiniática, diz se algo é bom ou mau, e sim aquele capaz de explicar, racionalmente, o porquê de seu juízo conclusivo. Isto posto, vejamos alguns exemplos do que não se deve fazer…

Na Universidade de Keio (Tóquio), uma trinca de pesquisadores tiveram sucesso em treinar pombos para discernirem entre as pinturas de Picasso e Monet[1]. Na Universidade de York (Toronto), devotou-se toda uma tese de doutoramento à história das lojas canadenses de donuts[2]. Em Bangalore (Índia), membros do Instituto Nacional de Saúde Mental e Neurociências concluíram que a rinotilexomania (traduzindo: o hábito impolido de tirar meleca do nariz) é prática comum entre adolescentes[3]. Na Universidade de Munique, um físico foi capaz de demonstrar que a espuma da cerveja obedece à lei matemática do decaimento exponencial[4]. E no Brasil? Ora, por aqui, precisamente pela Universidade de São Paulo, descobriu-se que tatus podem ser um tremendo inconveniente para a pesquisa arqueológica, dado que têm o costume de bagunçar os vestígios históricos que repousam sob o solo[5]…

A inutilidade das pesquisas elencadas – além de outras tantas! – é tão flagrante que jamais poderia passar despercebida, tendo servido de motor para a criação do Prêmio Ig Nobel, uma versão satírica do Prêmio Nobel (1901), iniciada em 1991, com o objetivo explícito de coroar pesquisadores cujo trabalho incite a gargalhada, mas, por fim, conduza à reflexão[6] – inclusive a dos laureados, se possível.

Contudo, é evidente que a ignobilidade não deve ser tomada apenas por sua acepção de desonra, aludindo àquilo que carece de nobreza, pois também há os embusteiros e os facínoras, que se revelam de uma baixeza repugnante.

Atente-se, por exemplo, para o caso de Dolores Krieger, professora emérita de ciência da enfermagem da Universidade de Nova Iorque, que, de há muito, afirma ter desenvolvido um “toque terapêutico” que, manipulando o “campo energético” dos pacientes, promove a cura de múltiplas doenças[7]. Krieger não está entre os que se lançam em pesquisas desnecessárias, alcançando conclusões autoevidentes, e sim entre os impostores que, ao alardearem terapêuticas milagrosas, esvaziam os bolsos da massa de incautos.

Na política, a lista é ainda mais recheada, oscilando entre a denúncia e a crítica bem-humorada: desde Edward Teller (1908-2003), físico húngaro-americano, conhecido pela paternidade da bomba de hidrogênio, até Daisuke Inoue (1940-), por ter tido a infeliz ideia de inventar o Karaokê. Em meio a tantos nomes, acham-se alguns de interesse criminológico: Daryl Gates (1926-2010), o delegado de polícia responsável pelo caso Rodney King (1965-2012), que acabou desaguando nas rebeliões de Los Angeles, em 1992; Charl Fourie e Michelle Wong, pela invenção do Blaster, um sistema antirroubo de veículos, munido de um lança-chamas; e, em 2021, Chefes de Estado que demonstraram profundo descaso pela pandemia da COVID-19, por ensinarem, mais uma vez, “que os políticos podem ter um efeito mais imediato sobre a vida e a morte do que os cientistas e médicos”. Evidentemente, o mais tosco entre os nossos ex-presidentes não poderia ficar de fora do elenco…

E se tivéssemos uma categoria de ignóbeis inteiramente dedicada aos juristas e criminólogos que andam por aí, a aprontar das suas? Não é má ideia! Afinal, no domínio dos “teóricos” das janelas quebradas, o deboche definitivo seria atirar a primeira pedra.