As sementes ancestrais

Povos indígenas: luta e resistência desde a invasão portuguesa

O 19 de abril deste ano começou diferente – ao menos para quem compreende a importância da data. Isso porque, desde o decreto-lei 5.540 de 1943, publicado na Era Vargas, o dia era conhecido como Dia do índio. Durante décadas, era corriqueiro ver crianças saindo das escolas com cocares feitos de cartolina e pintura em seus rostos, em uma então considerada “homenagem”.

Em julho de 2022 foi publicada a lei 14.402, fruto da aprovação do projeto de lei 5466/2019, de autoria da atual presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas[1] Joenia Wapichana (que, inclusive, é a primeira indígena a ocupar o cargo). Com isso, neste ano temos oficialmente em nosso calendário, pela primeira vez, o Dia dos povos indígenas.

Ainda que tenha ocorrido a significativa alteração legislativa, com o intuito de exterminar estereótipos que envolvem os povos originários, na prática ainda escolas em que há o “brincar de índio” da música cantada por Xuxa Meneghel. Inclusive, em rápida pesquisa no youtube, você pode assistir a professoras fazendo coreografia da referida música. Há também vídeos de escolas não indígenas que insistem em realizar as atividades mencionadas no início do texto.

As mudanças vieram lentamente e é preciso que sejam compreendidas. Não é questão apenas de “estilo” usar a palavra indígena e não mais a palavra índio. Marcia Mura, doutora em história social pela USP, explica a importância da mudança[2]:

Índio é um termo genérico, que não considera as especificidades que existem entre os povos indígenas, como as especificidades linguísticas, culturais e mesmo a especificidade de tempo de contato com a sociedade não indígena.

Estudamos em livros que o Brasil foi descoberto por portugueses e, quando questionamos este discurso, argumentando que o que houve foi invasão, percebemos resistência. É o olhar do colonizador que nos foi ensinado: o olhar de que aqui habitavam selvagens, que eram atrasados e que precisavam ser doutrinados. Estes eram os “índios”.

Alessandro da Silva Nhandewa explica: “não nascemos em 1500, já estávamos aqui. (…) o colonizador, quando invadiu, disse ‘terra à vista’, não falou ‘lá tem pessoas’. (…) neste dia começou a árdua vida dos indígenas”[3]. De fato, como bem disse Célia Xakriabá, primeira deputada federal indígena eleita por Minas Gerais, antes do Brasil da coroa, existia o Brasil do cocar.

Ainda sobre o olhar do colonizador, Jacqueline de Paula Sabino ensina[4]:

A sociedade julga de selvagem aqueles que morrem todos os dias em defesa da terra (…) os valores parecem invertidos, a população é induzida a acreditar que nossas comunidades são suas inimigas e atrasam o desenvolvimento do país, enquanto a bancada ruralista defende apenas coisas ‘boas’. 

Doutor em educação pela USP e pós-doutor em linguística pela UFSCar, Daniel Munduruku explica justamente que a palavra indígena reflete justamente o oposto deste olhar colonizador, já que quer dizer “originário, aquele que está ali antes dos outros”[5]. Concordo com Munduruku, quando, nesta mesma entrevista à BBC News, reflete que, quem lida com a palavra, sabe a força que ela tem.

Neste ano em que temos o primeiro dia dos povos indígenas, precisamos refletir sobre o que vem sendo ensinado nas escolas não indígenas. Há diversas atividades que podem ser trabalhadas em sala de aula, além de exibição de documentários como A última floresta e uma vasta e plural literatura indígena para ser contada. No entanto, ainda são poucas as escolas que se preocupam em ensinar esta cultura tão rica, apesar de termos a lei 11.645 – já debutante, pelos seus quinze anos de existência – que determina a inclusão da história e cultura indígenas nos currículos.

Quando eu falo em ensinar, certamente não penso que devemos fazê-lo apenas na data específica do dia 19 de abril. O ensino deve estar presente na sala de aula no decorrer do ano letivo. Um exemplo é a lista de livros solicitados na lista de material escolar que os responsáveis recebem. Devemos, na ausência de literatura indígena, questionar a escola e levar sugestões. É no mínimo curioso o fato de que não se questiona quando a enorme lista de livros traz apenas autores e autoras brancos.

Para além da literatura, é preciso conhecer indígenas que fizeram e fazer a história do nosso país nas mais diversas áreas, em razão justamente da pluralidade. Ailton Krenak, Sonia Guajajara, Denilson Baniwa, Myrian Krexu, Tukumã Pataxó, Cacique Raoni Meturktire e tantos outros e outras (além de quem já mencionei ao longo do texto).

Como bem disse Ailton Krenak, o futuro é ancestral. Encerro o texto com este grafismo guarani, que significa justamente o que representa os povos indígenas desde 1500: luta e resistência.

Notas de rodapé

[1] A Fundação Nacional do Índio, criada em 1967, foi renomeada no início deste ano. 

[2] Disponível em: https://www.falagenefax.com/2023/04/pela-primeira-vez-brasil-celebra-dia-dos-povos-indigenas-entenda-a-diferenca-entre-indio-e-indigena/ Acesso em 19 abr. 2023.

[3] NHANDEWA, Alessandro da Silva; ALMEIDA, Tiago Pyn Táhn de (org.). Tetã Tekoha. São Paulo: Pólen, 2020. p. 17.

[4] Idem, p. 40.

[5] Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47971962 Acesso em 19 abr. 2023.

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