Por que escrevem tão mal os juristas?

“Para os estudantes de medicina, estômago forte e pouco repouso; para os pretendentes a engenheiro, bons dotes em matemática; aos juristas em potencial, muita leitura.”

Esta fórmula da sabedoria popular é constantemente repetida desde que as primeiras faculdades brasileiras foram fundadas. A despeito de conter carradas de simplismo, ela parece conservar certa adequação para a medicina e a engenharia, mas o mesmo não se pode dizer do mundo jurídico, cujos representantes mais afamados não vêm se destacando, nas últimas décadas, pelo volume de suas leituras.

Seja por obrigações profissionais, seja por puro masoquismo, quem quer que se ponha a ler uma modesta fração da massa de publicações que, aos montes, abarrotam as prateleiras das livrarias, se verá obrigado a concordar: como escreve mal essa gente! A impressão que se tem é a de que o objetivo dos autores é instrumentalizar a palavra escrita para fazer inimigos – e não me refiro aos adversários teóricos, mas ao próprio consumidor final das páginas impressas.

Em alguns casos, de aparente erudição, os escritores investem em todos os jargões e chavões que se possa imaginar, como que para ocultar a própria carência de ideias com palavras emprestadas, produzindo um texto de uma pomposidade indigesta. Todavia, a maioria esmagadora sequer é capaz disso, tamanha a sua indigência intelectual, coisa que já se manifesta na usual falta de apreço pela sintaxe, na incompetência em face de conceitos e teorias e na excentricidade dos exemplos adotados. Em ambos os casos, a pior forma de insulamento mental é estar em companhia dessas obras, que não inspiram nada além de compaixão pelas árvores derrubadas.

Mas este cemitério das letras é, também, a vivenda dos inúteis. Ocorre que, de uns trinta anos para cá, o Brasil vem se transformando em uma espécie de complexo industrial de fabricação de bacharéis, multiplicando, em ritmo ensandecido, o contingente de cursos de graduação em direito. Hoje não se sabe ao certo quantos são – talvez 1.500, talvez 1.800 –, mas o fato é que já são bem mais do que os parcos 165 que havia em 1990. E mais: fossem ainda os 1.200 de uns anos atrás, já seriam mais do que o total de cursos ofertados no restante do mundo.

Considerando este cenário, em que a proliferação de cursos de graduação é inversamente proporcional à qualidade das lições ministradas, é difícil acreditar que as centenas de milhares de jovens que ingressam nessas instituições tenham genuína vocação para o direito. O mais provável é que encarem a graduação como um sacrifício necessário; um rito de passagem indispensável para, no mundo do trabalho precarizado, alcançarem a estabilidade e o salário garantidos pela via do concurso público.

“Ora, mas para passar em um concurso público é necessário estudar muito!” – alguém poderia redarguir. De acordo, mas trata-se de estudo robotizado, em que o indivíduo, em lugar de explorar, com a devida profundidade, a complexidade dos problemas jurídicos, é reduzido à condição de memorizador de leis e jurisprudências, sendo plenamente incapaz de tecer um juízo minimamente crítico acerca daquilo que tanto decora. Em suma: o memorizador não pode ser mais que um papagueador.

Os recursos bibliográficos de que dispõe o concurseiro são, a rigor, os do tipo elencado acima, mas eles não são escolhidos acidentalmente ou por preferência pessoal. O critério de escolha é o do consequencialismo mais ordinário: quem são os membros da banca? Que livros preferem? Sucede que os idiotas da aldeia não são apenas aqueles aos quais a internet deu voz: eles colonizaram a maioria dos meios de ingresso às carreiras públicas; sua voz é a mais autorizada porque, em um raciocínio circular, sua autoridade procede do lugar que ocupam. Não por acaso, o que se verifica na prática é uma repulsa da jurisprudência à doutrina, em que a primeira acaba norteando a segunda, resultando no sacrifício da teoria em benefício do pragmatismo vulgar.

Os livros que ocupam as principais posições nas listas dos mais vendidos são sofríveis, tal como são sofríveis as peças jurídicas que, vez por outra, me vêm às mãos por intermédio de colegas. Não poderia ser de outra maneira, pois a qualidade da escrita está diretamente ligada à qualidade das leituras, ambas determinantes para a qualidade do pensamento. Se o cenário jurídico brasileiro se converteu em um cabide de empregos públicos, o estudo rigoroso e aprofundado é representado como uma total perda de tempo. Há que resistir.

Sigamos o exemplo daqueles juristas que, sempre marginalizados, dignificam a profissão. Levar o direito a sério implica estudar os clássicos, e não apenas aqueles voltados diretamente a questões jurídicas. O direito é importante, mas também o são a filosofia, a teoria política, a história, a literatura, a sociologia, e assim por diante. Por paradoxal que possa parecer, no cemitério das letras, nossa única alternativa é resgatar a palavra dos mortos.

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