Quem tem medo do Orgulho LGBTQIA+?

Discurso de ódio e violência dos defensores do “orgulho hétero”

“Parada gay? Deixa a Avenida Paulista para a família. Vai fazer no sambódromo esta bagunça”. Assim se referiu Ratinho, ao criticar a Parada do Orgulho LGBTQIA+ que aconteceu em São Paulo, no último dia 11. O apresentador é o retrato do que há de mais podre na sociedade brasileira: uma pessoa que não consegue respeitar e conviver com pessoas diversas, que pensa que apenas a “família tradicional brasileira” merece ter seus direitos assegurados e que reproduz estereótipos referentes às pessoas LGBTQIA+.

A Associação LGBTQIA+ de São Paulo, através do deputado estadual Agripino Magalhães Junior, informou que vai ajuizar uma ação em face de Ratinho[1]. Não é a primeira vez que ele tem falas extremamente problemáticas, que incitam ódio e são carregadas de LGBTfobia. Em 2018, por exemplo, ele se revoltou com as novelas na Rede Globo, que, segundo ele, tinham “muito viado”[2]:

Eu estava aqui vendo a novela da Globo, aquela coisa de cangaceiro e tal. Mas poxa, a Globo colocou viado até em filme de cangaceiro, gente? Naquele tempo não tinha viado não. Você acha que tinha viado naquele tempo? É muito viado: é viado às seis da tarde, é viado às oito da noite, é viado às nove da noite, é viado às dez da noite, é muito viado. Eu não sei o que está acontecendo, não tem tanto viado assim. Ou tem?

É, no mínimo chocante que a mera existência de pessoas LGBTQIA+ incomode. Tentam ainda ridicularizar ou dizer que o “Dia do Orgulho LGBTQIA+ é um absurdo” e, pasmem, há quem tente implementar o “Dia do orgulho hétero”[3]. Discursos como o que transcrevi acima ocorrem diariamente em nosso país e a sociedade insiste em fechar os olhos para o fato de que todo o dia, pessoas LGBTQIA+ correm riscos que heterossexuais não correm – fora de casa e, muitas vezes, dentro do seu núcleo familiar: sua presença é indesejada, é silenciada, é invisibilizada. É por isso que o fato de sobreviverem ao final de mais um dia já é uma vitória em um país em que mais se assassina travestis[4], pessoas trans e homossexuais[5]. Como bem diz Renan Quinalha, a história LGBTQIA+ é um inventário em negativo, composto por ausências, lacunas e silenciamentos[6].

Diferentemente do que disse Ratinho, não ligamos na hora das novelas e vemos uma avalanche de personagens LGBTQIA+. As novelas ainda são um espaço ocupado, em sua maioria, por mulheres e homens brancos, cis, heterossexuais. Não basta também que tenhamos uma “cota” de personagens LGBTQIA+ ou então representações caricatas, que reforcem estereótipos.

Além da falta de personagens LGBTQIA+, ainda há o medo – principalmente de  homens considerados galãs – em “sair do armário” e, com isso perder papeis ou até mesmo, irem para a “geladeira” e ficarem sem trabalho. Recentemente, o ator Marco Pigossi[7] revelou que tinha medo que as pessoas descobrissem e que chegou a rezar, pedindo a Deus que o consertasse e viveu durante muito tempo um “personagem”, usava uma “máscara heterossexual” para se esconder.

A chamada “saída do armário” é sempre marcante na vida de pessoas LGBTQIA+, que, por vezes, passam boa parte da vida fingindo ser quem não são. Não conseguem com isso viver plenamente, com medo de julgamentos e violências verbais e físicas. É por isso que o movimento LGBTQIA+ é tão importante. É por isso que, diferente do absurdo dito por Ratinho, precisamos ocupar espaços públicos como a Avenida Paulista com as cores do arco-íris anualmente e relembrar toda a luta que ocorreu e pessoas responsáveis por isso. É preciso lembrar o dia 28 de junho, dia marcado na história como o da Rebelião de Stonewall. Ainda sobre “se assumir”, Quinalha ensina que a “saída do armário”, que sempre foi reduzida a algo pessoal, foi se conectando cada vez mais com um senso de comunidade, algo criado com o episódio de Stonewall, por exemplo[8].

Por que é um absurdo para pessoas como Ratinho ligarem a televisão e verem histórias construídas com personagens LGBTQIA+? Por que seria um horror ver uma história de amor entre dois homens, entre duas mulheres, entre uma mulher trans e um homem cis, por exemplo? Por que não podemos ter as mais diversas famílias retratadas na televisão e não apenas uma formada pela “mamãe, papai e filhinho”? “Ah, que pouca vergonha ver dois homens se beijando, imagina se uma criança vê isso!”, dizem. Ora, nada mais verão do que uma manifestação de carinho e amor entre duas pessoas, qual seria o problema disso?

Pouquíssimas foram as vezes em que tivemos casais homoafetivos retratados nas novelas, como bem disse em uma coluna anterior. E, volta e meia, o assunto vem novamente à tona. Por que cortar cenas de amor, como fez a Globo recentemente em Vai na Fé (com o casal Clara (Regiane Alves) e Helena (Priscila Sztejnman) ou ainda, apenas “sugerir” um beijo entre personagens, como, por diversas vezes isso ocorreu? Por que apenas em “filmes com temática LGBTQIA+” eu, seguramente vejo estas personagens? Por que esta inexpressiva representatividade nos canais abertos?

Nesta semana, justamente no dia 28 de junho, assisti ao curta “Depois daquela festa”, disponível gratuitamente no YouTube[9].  Não tem como não se emocionar com o lindo diálogo entre pai (interpretado por Charles Fricks) e filho (interpretado por Lucas Drummond), depois que este vê aquele que é seu herói beijando um homem na festa. A pergunta dele, “você está feliz?” deveria ser a única preocupação de todas as pessoas.

Enquanto vivermos em um país em que a liberdade de ser quem quisermos não é garantida a todas as pessoas, enquanto pessoas que apenas propagam o ódio quiserem eliminar outras simplesmente por serem quem são, a luta LGBTQIA+ seguirá. É desnecessário dizer que a luta é de todas as pessoas, certo? Em um mundo com tantas pessoas que não sabem amar, a união de quem luta por respeito, igualdade de direitos e representatividade faz a força (força aqui entendida como amor) e vai vencer para, ao final, o arco-íris surgir.

Notas de rodapé

[1] Disponível em: https://istoe.com.br/ratinho-sera-processado-por-deputado-estadual-apos-fala-homofobica/. Acesso em 28 jun. 2023.

[2] Disponível em: https://veja.abril.com.br/cultura/ratinho-reclama-de-novelas-da-globo-tem-muito-viado. Acesso em 28 jun. 2023.

[3] Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2021/12/23/camara-municipal-de-cuiaba-aprova-dia-do-orgulho-hetero.htm. Acesso em: 29 jun. 2023.

[4] Sugiro a escuta da música “Troca” de Azula, em que canta “quanto mais violência a travesti suporta?”. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=9Q4LgPjvUVY. Acesso em: 29 jun. 2023.

[5] Disponível em: https://www12.senado.leg.br/radio/1/noticia/2018/05/16/brasil-e-o-pais-que-mais-mata-homossexuais-no-mundo. Acesso em 28 jun. 2023.

[6] QUINALHA, Renan. Movimento LGBTI+: Uma breve história do século XIX aos nossos dias. Belo Horizonte: Autêntica, 2022. p. 17.

[7] Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/diversao-e-arte/2022/07/5021440-marco-pigossi-sobre-se-assumir-gay-pedia-a-deus-para-me-consertar.html. Acesso em: 28 jun. 2023.

[8] Quinalha, op. cit., p. 83.

[9] Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=35n8ONXmE7E&t=5s. Acesso em 29 jun. 2023.

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